💩 Há um #chafarizdebosta na praça pública global
Notas sobre o Twitter, o X e o nosso destino como nômades digitais.
Oie. Esse é meu primeiro texto pra newsletter e eu gostaria de algo mais enxuto. Mas antes feito que perfeito. Tentarei melhorar. Ou, na melhor das hipóteses, eu abandono esse projeto quando me distrair com outra coisa.
Tô morrendo de preguiça de falar do circo Musk vs. STF. Questione-se ou não os limites da liberdade de expressão, assim como as decisões do Moraes e do judiciário brasileiro (que, pasme, são questionadas o tempo todo nessa maldita ditadura! 🤷), vemos um bilionário estrangeiro, delinquente e dono de uma big tech tentando tumultuar nosso sistema judiciário para desestabilizar o país. Ponto.
Mais ou menos (beeem menos) como ele faz nos EUA, mas lá talvez não rebolem pro cria tão fácil quanto aqui. Já na Turquia, Hungria, Arábia Saudita e Índia, quem rebola é ele mesmo. A pretensa luta pela liberdade de expressão absoluta, em nosso caso, é só um pretexto para proteger agentes, pautar temas e usar o país como laboratório da extrema direita. E a forma destrutiva da gestão do Musk no X é fruto de muito ressentimento do Tofu Espacial por sua filha, uma moça trans bem resolvida, viver muito bem longe do homem mais rico do mundo e sequer usar seu sobrenome.
Viu que tédio? Prefiro falar da nossa relação com o X e o que podemos esperar do futuro da praça pública global.
🚀 Mandando uma love brand pro espaço
“O Twitter é a praça global”. É. E também foi a maior redação jornalística do mundo, mesmo sem contratar um jornalista. Quantos assuntos foram acompanhados globalmente dentro da plataforma, através de hashtags e trend topics?
Quatro copas do mundo, olimpíadas, eleições americanas e brasileiras. Luana Piovani do Antigo Testamento. Primavera Árabe. Occupy Wall Street. A morte do Michael Jackson. Voz da Comunidade. Avenida Brasil. Charlie Hebdo. Fukushima. Impeachment. Lava Jato. Lula preso. Game of Thrones. Vaza Jato. Lula livre. A guerra em Gaza. COVID-19. #BlackLivesMatter. #MeToo. #MeuExAbusivo. Oscars. Superbowls. VMAs. Guerra na Ucrânia. Pinto Awards. Lingerie day. Leila Lopes day.
Para se informar em tempo real, bastava sentar em um banco da pracinha azul e ouvir os pássaros cantar. Uns mais desafinados que outros. Mas ainda assim, era possível saber através do Twitter o que pautaria o noticiário tradicional e as tendências que chegariam em outras redes dias depois. Tudo isso em uma arquitetura que oferece paridade hierárquica entre os usuários: em que outra rede você pode, por exemplo, refutar o presidente da república em seu próprio espaço? Anônimos, famosos, políticos, influenciadores, todos passeavam nela. 18 anos de histórias, cultura digital, negócios, afetos. Foi tudo pro espaço. E não tem nada a ver com o bloqueio do Moraes.
⛲A obra inaugural
Jack Dorsey não era nenhum santo. O Twitter sempre foi cheioooo de problemas. Muitos deles são os mesmos que reclamamos após a transformação em X. Mas há uma diferença crucial: enquanto empresa de capital aberto, a rede precisava ter postura e demonstrar um mínimo interesse em resolvê-los. O X (você chama xis ou éks?) é a primeira das grandes que aparenta se orgulhar de todos eles, e pior, trabalha aparentemente para aumenta-los. É como se o prefeito recém-eleito da cidade fechasse a delegacia e inaugurasse um grande chafariz de bosta em cima do coreto da pracinha. O esgoto não é algo a ser tratado, escondido, mas parte do paisagismo. Pra dançar, tem que se melar.
🤮 Só um exemplo bem suave
Um dia desses, um vídeo inequivocamente mostrando um estupro passou pelo meu X. Pouparei você de detalhes, mas reforço: a cena jamais poderia ser confundida com encenação ou pornografia. Fiz o quê? Denunciei. Passaram-se dias até que a resposta do X chegasse: uma tela em branco com um ponto final no corpo de texto. E nada mais. O que isso significa? Não sei. Da última vez que olhei, o perfil que o publicou continuou no ar.
🚯 Coleta de lixo é superestimada
Se fosse um caso isolado, estava ótimo. Mas os sistemas de moderação da rede colapsaram (pra não fazer uma inferência muito mais grave). Por exemplo, vídeos de crianças vítimas de abuso se espalharam na rede e atingiam números assustadores de visualizações. Fora o conteúdo gore, neonazi, racista, publicado por contas baseadas em engajamento e impulsionadas pelo selo azul comprado e modificações algoritmo. Pior, são divulgados pelo próprio Musk. Com privilégios no algoritmo do seu perfil, comentários e endossos. Além do chafariz de bosta na praça, o carro do lixo o espalha ao invés de fazer a coleta.
Nikola Tesla chorou 🥸
Qual mudança positiva Elon Musk trouxe ao X? Notas de Comunidade? São anteriores a compra. Selo de verificação pago? Procure um terapeuta. Monetização? Na rua com uma lata você fatura mais. Combate aos bots? “M Y P U S S Y I N B I O”. Até mesmo as sagradas métricas, antes públicas e com longo histórico, agora resetadas e exclusivas do X Pro, se tornaram não confiáveis (em um período, foi possível ver dois dados discrepantes sobre o mesmo post. Perfis trancados com nenhum seguidor contavam visualizações).
Todas as mudanças feitas foram motivadas apenas para satisfazer a experiência dele. Das funcionais a cafonice estética. Inclusive a de esconder os likes apenas por ele ter sido exposto curtindo posts constrangedores. Agora você pode curtir conteúdo racista, nazista e de abuso sexual sem que os outros vejam. Legal, não? Não.
🥱 Groundbreaking
Faz tempo que a rede não oferece uma novidade relevante aos usuários (as novidades atuais sempre são pioras e descaracterizações do ambiente original). A primeira grande novidade do Musk para o X foi um serviço de chamada de voz feito às pressas, em 2023, com brechas de segurança, em um mundo que já conta com Facetime, WhatsApp, Telegram, Skype... Qual a próxima, um orelhão de ficha?
🗺️ Para onde iremos?
Não há resposta fácil. Temos dois potenciais candidatos, o Bluesky e o Threads. Cada um com suas particularidades, vantagens e desvantagens. E mais, são duas plataformas novas competindo disputando para comportar pessoas que estão há 10, 15 anos numa rede social antes consolidada. Toda mudança é desconfortável e traumática.
No mercado publicitário, por ora, estão preferindo o Threads por razões práticas (verificação, vinculação ao perfil no Instagram, painel de estatísticas, expectativa de anúncios, forte presença de influenciadores, relacionamento de anos com a Meta etc). A Globo, no entanto, preferiu o Bluesky para comportar seus usuários e acho que sei o motivo: o Threads tem como posicionamento não favorecer conteúdo jornalístico ou político. Já o Bluesky não pretende vender publicidade. Pode ser que isso mude? Pode. Mas é o panorama atual.
E o público geral? Em números, o Bluesky, com meia dúzia de funcionários e bastante precário se comparado ao X (sequer comporta videos) deu uma surra no Threads. Diversos fatores explicam, da familiaridade com o anterior ao distanciamento tão valorizado de outra rede social. O X costumava ser para muita gente a janela do mundo digital, onde íamos gritar e tomar um ar do sufocante feed de vidas perfeitas do Instagram ou do contato próximo demais da família, amigos e colegas de trabalho no Facebook. Era um fumódromo. O espaço para jogar o que não cabia em lugar nenhum.
Meu palpite é: tente usar as duas por enquanto. Uma hora ou outra o X será liberado e nosso impulso será voltar, mas estará do mesmo jeito que o lixo esquecido no cesto por muito tempo: apodrecido e cheio de bichos. Talvez seja bom contar com outras opções.
⚰️ Quem mais perde com isso tudo?
Todo mundo. Eu não tô sentindo falta porque a maioria das pessoas que acompanho migrou para as outras. Acho ruim quando criticam quem sente falta do acesso ao X no Brasil. A praça estava uma porcaria, mas estávamos acostumados com a vizinhança. Artistas se apresentavam ao mercado exterior e recebiam encomendas de ilustrações. Cientistas faziam divulgação e trocavam informações em tempo real sobre novos estudos, e esse dinamismo se provou muito valioso durante a pandemia de COVID-19. Fandoms se mobilizavam no lançamento de seus ídolos e em momentos oportunos emprestaram suas forças a diversas causas sociais. São relações construídas há anos, talvez décadas.
Mas quem usa VPN para dar uma espiadinha atualmente, deve ter percebido: a rede social não é o app. Não é o site. São as pessoas. Nossas conexões. Conseguir acessar o X atualmente, salvo algumas exceções, passa o ar de lockdown na pandemia. Ruas antes caóticas, agora vazias. Com exceção, claro, do barulho ensurdecedor do chafariz de bosta e o carro do lixo atirando sacos cheios em suas casas.
🪺Nunca uma rede será igual ao Twitter/X .
Verdade. Mas precisa ser? Por que precisamos de uma praça pública única? Por que não várias? Por que não podemos dividir os grupos em usuários de Threads, Bluesky e os que transitam em ambos e viver em harmonia? Nós precisamos mesmo estar todos no mesmo lugar o tempo inteiro? Nós precisamos mesmo exibir e ver a exibição da vida de todos, como um reality show? Nós precisamos mesmo nos guiar através dos trend topics? Somos todos a Patrícia Poeta no Encontro?
🫧Mas e o efeito bolha?
A câmara de eco sempre existiu no Twitter/X. No Threads e Bluesky ela tende a se agravar. Como entusiasta de comunicação e mídias, eu acho péssimo. Preocupante demais. Mas na visão do usuário, podemos culpar as pessoas? Por que elas devem sacrificar tempo de tela e bem-estar permitindo a invasão do contraditório grosseiro em nome da Santíssima Pluralidade de Ideias? Em nossas casas não toleramos grosseria de estranhos, por que em nossos celulares precisa ser diferente?
Após quase duas décadas da invenção do feed aberto de notícias, acho que as pessoas já tiveram contato suficiente com a praça pública global para saber se querem ter contato com um tarado ideológico sacudindo seu membro em riste ou não.
😓 Leitura pra chorar
A quem deseja aproveitar o momento para ler sobre a relação das redes sociais, sociedade e big techs, recomendo o livro A Máquina do Caos, de Max Fisher. Ele acaba com uma falácia muito repetida, de que as redes são apenas uma ferramenta e que todo caos e desordem são causadas pelo mau uso delas. Não é bem assim. Há muita intencionalidade e isenção do Vale do Silício no caos digital. Leia e vire o maior defensor da regulação das big techs possível. E fique puto com a pataquada de 2023, onde muita gente, inclusive gente que você gosta, lavou as mãos para regulação. Agora está ai.
💀 Leitura pra sorrir?
Que o Elon Musk é mal intencionado e mau caráter você percebeu. E um serzinho minúsculo e esquisito também. Claro, se você não for daqueles que acreditam que o fato dele ser bem sucedido nos negócios lhe confere automaticamente genialidade em tudo e santidade, vantagem sempre conferida aos homens brancos ricos, o maior grupo identitário do universo (olha o lacreeee).
Pois bem, o livro Limite de caracteres - Como Elon Musk destruiu o Twitter sairá na próxima semana nos Estados Unidos, em outubro no Brasil. Mas a revista Piauí de setembro trouxe uma prévia que é de dar dor. Dor física mesmo, não dó. Imagina ser o homem mais rico do mundo e ficar preocupado porque um tweet seu recebeu menos likes que o do presidente dos Estados Unidos, a ponto de forçar a equipe a criar um código para aumentar o seu alcance na rede (lembra do carro da coleta que atira lixo na sua cara? Então).
Eu quero muito ler o resto porque estou até agora pensando que a corrida espacial dele seja, no fim, para resgatá-lo do keyhole onde ele se enfiou e não consegue mais sair. Força, Tonho Esterco, nosso Homem de Feno.
Antes da aquisição, sempre entrava no tt, mas nunca tive incentivo suficiente para me cadastrar. Um belo dia, esbarrei em um tweet tosco seu e passei algum tempo lendo seus posts. Me cadastrei em seguida na plataforma. Agora, fui atrás de ti no Bluesky. Você tem razão: "Não é o site. São as pessoas." Ótimo texto!
Parabéns Jairme, ótimo texto. Saudações do Recife!!